Prolongamento da pandemia testa resistência de pessoas e negócios

Infectologista do Moinhos de Vento, Paulo Gewehr.

Possível nova onda ocorre em meio à ampliação da vacinação, mas especialistas sugerem cautela diante dos impactos do prolongamento da pandemia.

Uma corrida de longa distância. Um percurso repleto de obstáculos, que exige esforço e superação. Mesmo distante, quando o atleta consegue avistar a linha de chegada, experimenta a sensação de alívio pelo que está prestes a alcançar. E, então, relaxa. Essa pode ser a descrição da etapa final de uma maratona — mas da mesma forma ilustra o sentimento da população que vislumbra o fim da pandemia pela proximidade da vacina.

No entanto, essa corrida ainda não chegou ao fim por aqui. A imunização avança e traz esperança à população, mas pesquisadores apontam que os números e a dinâmica de casos das últimas semanas podem indicar uma nova onda da doença. Para o infectologista do Hospital Moinhos de Vento, Paulo Gewehr, isso é resultado do relaxamento das medidas de prevenção. “A população jovem está se expondo mais e ainda não foi vacinada. Vê a vacina chegando e acha que a pandemia está perto do fim. Somado a isso, há o esgotamento emocional em relação ao confinamento, as questões econômicas, além da cepa brasileira P.1, que é mais transmissível e causa doença grave nos jovens”, enumera o especialista em controle de infecção e em vacinas.

O caminho para brecar a chamada “quarta onda” do coronavírus, segundo o professor Fernando Spilki, da Universidade Feevale, é acelerar a vacinação. “A pandemia não acabou, em absoluto”, reforça. Ele destaca que houve investimentos dos municípios em UTIs, o que permite lidar com o último estágio do processo. “Deveríamos estar mais atentos ao bloqueio da transmissão, evitando novos casos”, alerta ele, que é coordenador da Rede Corona-ômica.BR-MCTI.

Professor da Feevale Fernando Spilki.

Preparo para evitar novos casos

Apesar do cenário desafiador, Gewehr avalia que as cidades gaúchas estão mais preparadas. “Há mais conhecimento sobre a doença, e parte importante da população está vacinada. Temos de evoluir para o uso da máscara, higienização das mãos, além do distanciamento social, da restrição de capacidade de estabelecimentos e da fiscalização”, defende.

Na interpretação da imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro dos comitês científico e clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a sociedade ainda está no meio de uma terceira onda. A diferença em relação às anteriores é o fato de que parte da população está vacinada. “Na primeira onda, se fez isolamento. Agora, não temos isso”, destaca. A imunologista lembra que apenas o aumento do número de leitos não é o suficiente para enfrentar o quadro. É preciso ampliar o número de médicos, equipes de enfermagem, medicamentos e ventilação — além, é claro, de seguir vacinando.

Imunologista Cristina Bonorino.

Saúde mental: situação de indefinição agrava ansiedade

Lorena Caleffi, psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento.

Com a pandemia chegando ao seu 15º mês, o quadro da saúde mental da população também requer cuidados. “As pessoas estão exauridas emocionalmente e, ao mesmo tempo, precisando manter os protocolos. A necessidade de cuidado consigo e com os outros persiste, e a insegurança quanto ao futuro causa um aumento de ansiedade diário”, observa a psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento, Lorena Caleffi. Na avaliação dela, o aumento crônico de ansiedade traz consequências danosas para a saúde como um todo — sobretudo por desencadear reações inflamatórias no organismo, precursoras de diversas doenças clínicas.

Já no início da Covid-19, houve aumento na incidência de transtornos mentais: estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) revelou aumento de 90% nos casos de depressão, enquanto crises de ansiedade e sintomas de estresse agudo mais do que dobraram. “O prolongamento da pandemia trará mais casos dessa ordem, mas a progressão é aritmética, e não geométrica”, pontua a doutora. Segundo ela, pessoas que já tinham uma predisposição são as que apresentarão sintomas, e quem já vinha em tratamento poderá piorar seu quadro.

De acordo com a psiquiatra, um importante sinal de alerta para depressão é quando o indivíduo perde a vontade de realizar as tarefas que antes eram prazerosas e percebe-se triste a maior parte do tempo. “Se esse estado é associado a um fator externo, podemos estar numa situação de luto, não necessariamente em um quadro depressivo. O luto tem sido muito mais comum no período da pandemia, tanto por perdas por falecimento, como por perdas de trabalho, financeiras e de convivência”, enumera. O abuso de álcool também é potencializado no cenário atual.

Nesse contexto, buscar a saúde mental é fundamental — e isso significa muito mais do que não ter uma doença, mas levar uma vida produtiva e com relacionamentos afetivos. “Conseguimos isso prestando atenção naqueles que são importantes para nós, exercendo atividades que nos tragam bem-estar físico e psíquico”, orienta Lorena.

A especialista é otimista ao pensar no futuro da sociedade pós-pandemia. “Mesmo em pequena escala, alguma mudança positiva sempre pode advir com a experiência”, afirma. Para a psiquiatra, a crise traz a oportunidade de modificar o comportamento. “Podemos deixar de ‘fazer por fazer’ ou dizer que ‘ sempre foi assim’, repensando atitudes antes automáticas. Dessa forma, poderemos ser pessoas mais autênticas, mais em harmonia com nosso jeito de ser”, finaliza.

Tecnologia, criatividade e gestão: como as empresas podem reagir à crise

Eduardo Baltar, CEO da consultoria de gestão Merithu.

“Já que o mundo está diferente, será que não temos de pensar diferente a operação dos negócios?” A provocação de Eduardo Baltar, CEO da consultoria de gestão Merithu, faz ainda mais sentido diante do prolongamento da pandemia e da iminência de uma nova onda. Na avaliação dele, para fazer frente a esse momento, a tecnologia precisa estar inserida no contexto das organizações. Mas não basta a transformação digital: é preciso buscar a proximidade com o cliente e ter domínio da gestão. “Toda ameaça pode ser vista como oportunidade. É preciso ter visão e usar o poder mental do time, a criatividade. O que entrega resultado são os processos e como as pessoas estão organizadas”, observa.

Desde o início da pandemia, a Merithu vem monitorando os resultados de 300 empresas de capital aberto no país. O estudo da consultoria mostra que, no segundo trimestre de 2020, foi registrada uma queda de mais de 70% nos lucros. As adaptações foram feitas e, já no trimestre seguinte, houve uma clara recuperação. “E o quarto trimestre foi fantástico. Tudo isso mostra que essas companhias estão aprendendo a lidar com a pandemia”, esclarece Baltar.

Mesmo os pequenos negócios têm muito a aprender com essa lição, segundo o consultor. Gestão, governança, inovação e controle dos números são pontos em comum de todas as organizações que se sobressaíram. “É preciso ter a gestão na mão, ter dados”, reforça.

Para chegar até aqui, os gestores precisaram apertar o cinto, criar processos para atender melhor os clientes e, assim, atravessar a turbulência. “As empresas fizeram tudo isso muito rápido. Certamente temos processos a otimizar, por isso é importante olhar para dentro. O mercado está reagindo, as empresas estão reagindo e, no pós-pandemia, todos estarão mais bem preparados”, conclui.

Foto 1: Leonardo Lenskij

Foto 2: Feevale

Foto 3: Divulgação

Foto 4: Leonardo Lenskij

Foto 5: Merithu